quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Sete Atos Oficiais da Marginalização do Negro no Brasil

1º ATO OFICIAL: IMPLANTAÇÃO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL 
Através da Bula Dum Diversas, de 16 de junho de 1452, o papa Nicolau declara ao Rei de Portugal, Afonso V: “... nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa Autoridade Apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo, onde quer que estejam, como também seus reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades... e reduzir suas pessoas à perpétua escravidão, e apropriar e converter em seu uso e proveito e de seus sucessores, os reis de Portugal, em perpétuo, os supramencionados reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades, possessões e bens semelhantes...”. Em 8 de janeiro de 1554 estes poderes foram estendidos aos reis da Espanha. 
Apoiados nesse documento, os reis de Portugal e Espanha promoveram uma DEVASTAÇÃO do continente africano, matando e escravizando milhões de habitantes. A África era o único continente do mundo que dominava a tecnologia do ferro e com esta invasão e massacre promovido pelos povos europeus e em seguida, a sua exploração colonizadora, o continente africano ficou com as mãos e os pés atados e dessa forma permanece até hoje. 

2º ATO OFICIAL: LEI COMPLEMENTAR À CONSTITUIÇÃO DE 1824 
“... pela legislação do império os negros não podiam frequentar escolas, pois eram considerados doentes de moléstias contagiosas”. O acesso ao saber sempre foi uma alavanca de ascensão social, econômica e política de um povo. Dessa forma, este decreto destina a população negra à margem da sociedade.

3º ATO OFICIAL: LEI DE TERRAS DE 1850, N.º 601 
Quase todo o litoral brasileiro estava povoado por QUILOMBOS. Os quilombos eram formados por negros que, através de diferentes formas, conquistavam a liberdade. Aceitavam brancos pobres e índios que quisessem somar aquele projeto. Lá eles viviam uma forma alternativa de organização social, tendo tudo em comum. As sobras de produção eram vendidas aos brancos das vilas.
A Lei de Terras diz que “a partir desta nova lei as terras só poderiam ser obtidas através de compra. Assim, com a dificuldade de obtenção de terras que seriam vendidas por preço muito alto, o trabalhador livre teria que permanecer nas fazendas, substituindo os escravos”. 
A partir daí o exército brasileiro passa ter como tarefa, destruir os quilombos, as plantações e levar os negros de volta as fazendas dos brancos. O exército se ocupou nesta tarefa até 25 de outubro de 1887 quando um setor solidário ao povo negro cria uma crise interna no exército e comunica ao Império que não mais admitirá que o este seja usado para perseguir os negros que derramaram seu sangue defendendo o Brasil na guerra do Paraguai. 
A lei de terras não foi usada contra os imigrantes europeus. Segundo a coleção “Biblioteca do Exército”, considerável parcela de imigrantes recebeu de graça grandes pedaços de terras, sementes e dinheiro. Isto veio provar que a lei de terras tinha um objetivo definido: tirar do negro a possibilidade de crescimento econômico através do trabalho em terras próprias e embranquecer o país com a maciça entrada de europeus.
  
4º ATO OFICIAL: GUERRA DO PARAGUAI (1864-1870) 
Foi um dos instrumentos usados pelo poder para reduzir a população negra do Brasil. 
Foi difundido que todos os negros que fossem lutar na guerra, ao retornar ao Brasil receberiam a liberdade e os já livres receberiam terra. Além do mais, quando chegava a convocação para o filho do fazendeiro, ele o escondia e no lugar do filho enviava de cinco a dez negros. 
Durante a guerra o exército brasileiro colocou os negros na frente de combate e foi grande o número de mortos. Antes da guerra do Paraguai, a população negra do Brasil era de 2.500.000 pessoas (45% do total da população brasileira). Depois da guerra, a população negra do Brasil se reduz para 1.500.000 pessoas (15% do total da população brasileira). 
  
5 º ATO OFICIAL: LEI DO VENTRE LIVRE (1871) 
Esta lei até hoje é ensinada nas escolas como uma lei boa: “Toda criança que nascesse a partir daquela data nasceria livre”. Na prática, esta lei separava as crianças de seus pais, desestruturando a família negra. O governo abriu uma casa para acolher estas crianças. De cada 100 crianças que lá entravam, 80 morriam antes de completar um ano de idade. O objetivo desta lei foi tirar a obrigação dos senhores de fazendas de criarem as crianças negras, pois já com 12 anos de idade as crianças saíam para os QUILOMBOS à procura da liberdade negada nas senzalas. Com esta lei surgiram os primeiros menores abandonados do 
Brasil. 
  
6º ATO OFICIAL: LEI DO SEXAGENÁRIO (1885)
Também é ensinada nas escolas como sendo um prêmio do “coração bom” do senhor para o escravo que muito trabalhou. “Todo escravo que atingisse os 60 anos de idade ficaria automaticamente livre”. Na verdade esta lei foi a forma mais eficiente encontrada pelos opressores para jogar na rua os velhos doentes e impossibilitados de continuar gerando riquezas para os senhores de fazendas, surgindo assim os primeiros mendigos nas ruas do Brasil. 
  
7º ATO OFICIAL: DECRETO 528 DAS IMIGRAÇÕES EUROPÉIAS (1890) 
Com a subida ao poder do partido Republicano, a industrialização do país passou a ser ponto chave. A industria precisava, fundamentalmente de duas coisas: matéria prima e mão de obra. Matéria prima no Brasil não era problema. Quanto à mão de obra, o povo negro estava aí, disponível! A mão de obra passou a ser problema quando o governo descobriu que se o negro ocupasse as vagas nas indústrias, colocaria em risco o processo de embranquecimento do país. A solução encontrada foi decretar, no dia 28 de junho de 1890 a reabertura do país às imigrações europeias e definir que negros e asiáticos só poderiam entrar no país com autorização do congresso. 


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O que é ação afirmativa?

O termo ação afirmativa surgiu nos Estados Unidos, na década de 1960, nos movimentos pela eliminação das leis que discriminavam a população negra. Uma dessas leis, por exemplo, obrigava os negros a ceder o lugar aos brancos no transporte público.
Para alguns militantes, entretanto, não bastava acabar com essas leis;era preciso colocar em prática certas ações para garantir o acesso da população negra à educação e ao emprego, de modo a melhorar suas condições de vida e torná-las mais igualitárias em relação às do restante da população.
Nos Estados Unidos, as políticas de ação afirmativa, tornaram-se lei, sendo adotadas pelo Estado e por grupos privados. Em universidades e empresas, por exemplo, foi estabelecida uma cota mínima de vagas a serem preenchidas pela população negra.
Na Europa, essas práticas começaram a ser adotadas em 1976, com o nome de ação ou discriminação positiva. Desde então, as políticas de ação afirmativa atingiram, além dos negros, também mulheres e minorias étnicas em diversos países, como Índia, Austrália, Nigéria, Cuba e Brasil.
No Brasil, essas políticas começaram a ser implantadas pelo Estado em 1995,com o estabelecimento de uma cota mínima de 30% de mulheres entre os candidatos de cada partido nas eleições. Em 2001, também foram estabelecidas cotas em cargos públicos e nas universidades para a população negra e indígena.

Fonte: Cardoso, Oldimar. Coleção Tudo é História - 8º Ano.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Cangaço e Violência

Morte de Lampião, 
a Chegada de Lampião e Maria Bonita a Maceió e Corisco Vingando seu Chefe
(poema de Novas Proezas de Lampião, de João Martins de Athayde)

O cangaceiro é doente
É um indivíduo anormal
Recebendo a influência
Do ambiente social
Com justiça e instrução
É difícil um Lampião
Cair na trilha do mal [...]

Também não está direito
Ter pena dele demais
Dizer que eles são heróis
Como muita gente faz
Cadeia pra esta gente
Com tratamento decente
Em prisões especiais

Atividade:
1) Como o autor caracteriza o cangaceiro?
2) De acordo com o cordelista, o que leva uma pessoa a se tornar criminosa - no caso, um cangaceiro? Exemplifique com passagens do texto.
3) Pode-se afirmar que o autor concorda com o desfecho dado pelo Estado ao cangaceiro? Justifique sua resposta. (Você pode consultar o post Virgulino Ferreira da Silva, o "Lampião")
4) Você considera que os motivos que levam ao cangaço, segundo o autor, se aproximam mais da concepção de Cesare Lombroso ou de Émile Durkheim? Justifique sua resposta. (Para responder essa questão, tenha em mente a explicação dada em sala de aula. Você também pode ler o post O estudo do crime).


Extraído de Dimenstein, Gilberto. Dez Lições de Sociologia - para um Brasil cidadão. São Paulo: FTD, 2008.

O estudo do crime

O estudo científico do crime começou em 1876, com a obra O delinquente, de Cesare Lombroso. A criminologia, em seu início, baseava-se nas premissas do evolucionismo, dominante na Biologia. Para Lombroso, o crime tem suas causas relacionadas às condições biológicas do delinquente. Ou seja, algumas pessoas teriam predisposições genéticas e, portanto, naturais a praticar o crime, o que é, em essência, a ideia, defendida por Lombroso, de atavismo. Para Lombroso, para combater o crime seria fundamental a eugenia. Essa perspectiva foi abandonada na criminologia contemporânea, que absorveu o método sociológico para fazer o estudo científico do crime.
De acordo com Émile Durkheim, em contraposição a essa versão da criminologia, nenhuma sociedade está libre do crime, nem o crime é um problema do delinquente. Como uma sociedade é feita de um
conjunto de instituições que pressupõem a existência de regras para a convivência coletiva, o crime é normal, é um padrão social. A normalidade do crime ão significa que ele seja bom, mas apenas que ele é um fato social ligado às condições fundamentais de qualquer vida em coletividade. Nesse sentido, o crime pode representar, por exemplo, a degeneração dos laços de solidariedade entre indivíduos e grupos.
Mas, segundo Durkheim, o crime pode também assumir uma forma degenerativa da vida social, quando ele se configura em uma situação de anomia, ou seja, uma situação na qual a ausência de normas ameaça a coesão social. Em outras palavras, a anomia é uma condição de não-socialização, segundo a qual as instituições da sociedade são fracas para socializar o indivíduo, isto é, trazer o indivíduo ao convívio da sociedade.
Émile Durkheim inaugurou uma virada na criminologia, inovando no estudo científico do crime. Essa inovação está no fato de a Sociologia adotar a premissa de que a prática do crime ocorre de acordo com o meio em que ele é praticado. Ou seja, da perspectiva de Émile Durkheim, as causas do crime devem ser procuradas na sociedade e não no delinquente.

Extraído de Dimenstein, Gilberto. Dez Lições de Sociologia - para um Brasil cidadão. São Paulo: FTD, 2008.

O que são crime, criminalidade e violência?

O conceito de desvio caracteriza qualquer comportamento que viole uma norma social, por isso, é um conceito muito mais abrangente do que o conceito do crime, que se refere apenas à conduta inconformista que viola uma lei.
Assim, o crime tem uma natureza especial. Diferentemente do desvio, o crime precisa das sanções do Direito para que possa se consolidar como conceito. O desvio, porém, refere-se ao poder social no plano da cultura e de normas relacionadas a costumes. Por isso, nem todo desvio é sancionado por lei, enquanto todos os crimes o são.
Conceitualmente, crime é qualquer tipo de ação que suscita uma reação organizada por parte da sociedade. Ou seja, crime é tudo aquilo que a sociedade condena como imoral, porquanto lhe dirige uma ofensa ou que tenha consequências negativas para a vida social. A ideia de crime remete à ideia de criminalidade, a qual significa o conjunto dos crimes praticados em uma sociedade.
O conjunto dos crimes praticados em uma sociedade está definido no Direito Penal, que faz corresponder a cada um deles uma penalidade que a sociedade considere condizente à ofensa praticada.
Os tipos e as práticas de crimes podem ser variados. Pode-se falar de crimes contra o patrimônio público, como a corrupção, a concussão ou a prevaricação, bem como pode-se falar dos crimes contra o patrimônio privado, como o roubo, o latrocínio, a extorsão etc.
Alguns crimes são praticados com a violência. Violência é toda ação praticada por um indivíduo ou por um grupo contra outro indivíduo ou outros grupos que implique constrangimentos físicos e morais. Normalmente, a violência é praticada com o uso da força, significando um estado de coação que leva a vítima a fazer ou deixar de fazer aquilo que o agressor lhe pede.
A violência pode ser legítima ou não-legítima. É legítima quando sua prática está balizada em uma regra da sociedade, como o Direito. Exemplo de violência legítima é aquela praticada pelo policial, que está
autorizado a agir violentamente, dentro dos limites estabelecidos pelo Direito, para proteger vítimas de atos criminosos. Da mesma maneira, a violência é legítima em uma situação de defesa da vida.
A violência não é legítima quando é seguida da prática de um crime. Ou seja, como vimos anteriormente, violência não-legítima, porque corresponde a um crime. Da mesma maneira, a extorsão é um tipo de violência não-legítima, porque representa um tipo de ameaça contra alguma pessoa em troca de uma informação ou vantagem.
Além dessas duas modalidades de violência, pode-se pensar duas outras: a violência física e a violência moral e simbólica. A violência física é a ação em que um indivíduo ou grupo agride, fisicamente, outro indivíduo ou outro grupo. É o tipo de violência geralmente realizada pelos criminosos.
A violência moral ou simbólica é aquela em que a agressão ocorre no plano psicológico. É tão grave quanto a violência física e pode deixar marcas profundas na vítima.

Extraído de Dimenstein, Gilberto. Dez Lições de Sociologia - para um Brasil cidadão. São Paulo: FTD, 2008.

Virgulino Ferreira da Silva, o "Lampião"

Maria Bonita e Lampião
Símbolo do cangaço, a história de Virgulino ainda hoje é contada com um misto de lendas e fatos reais. Nascido em 1898, no atual município de Serra Talhada, em Pernambuco, sua história de crimes começou para vingar a morte do pai. Após seguir o grupo de cangaceiros de Sinhô Pereira durante algum tempo, Virgulino e dois irmãos, além de primos e conhecidos, formaram seu próprio bando por volta de 1920. Nos anos seguintes praticou inúmeros crimes pelo interior de sete estados nordestinos: Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Acusado de vários homicídios, roubo, sequestro e estupro, chegou a ser perseguido por mais de quatro mil policiais e "volantes" (forças auxiliares).
"Lampião" foi o apelido surgido, segundo ele próprio declarou, por causa do cano de sua espingarda, que ficava em brasa durante os tiroteios. Dentre as inúmeras proezas que se contam a seu respeito, consta que foi chamado a Juazeiro, no Ceará, pelo padre Cícero, então importante líder local, para participar da perseguição à Coluna Prestes, formada por militares que lutavam por mudanças políticas na República Velha. "Lampião" receberia por seus serviços, além do perdão de seus crimes, a patente de capitão, rifles automáticos e uniformes semelhantes aos do Exército.
Com a Revolução de 1930, o poder dos "coronéis" no sertão nordestino foi enfraquecendo lentamente. A modernização política representada por Getúlio Vargas passava pela centralização dos poderes políticos. A eliminação do cangaço passou a ser uma questão de tempo.
Fim de Lampião, Maria Bonita e seu bando
O grupo de Lampião foi emboscado em uma fazenda em Angico, em Sergipe, em 1938, e na batalha morreram, além do líder do bando, mais dez cangaceiros. Suas cabeças foram cortadas e ficaram expostas em um museu durante mais de trinta anos. Somente em 1969, suas famílias conseguiram autorização para o sepultamento, pondo fim a um espetáculo macabro que expressa bem a época do cangaço.


Extraído de Dimenstein, Gilberto. Dez Lições de Sociologia - para um Brasil cidadão. São Paulo: FTD, 2008.

domingo, 13 de outubro de 2013

Cotas nas universidades: vários pontos de vista

A política de reserva de vagas para afrodescedentes nas universidades públicas frequentemente (re) surge nos meios de comunicação. Seus críticos argumentam que a dificuldade de aferir se o candidato à vaga é descendente de negros prejudica a transparência da iniciativa. Outros defendem que essa ação compensatória não deveria se pautar por critérios raciais, mas econômicos - ou seja, deveria ser criada a reserva de vagas para alunos pobres independentemente de sua "raça" ou "etnia".
Há também opiniões abertamente contrárias às cotas. Há quem aponte o fato de os beneficiados não conseguirem acompanhar as exigências acadêmicas de cursos "difíceis" (afinal, muitos cotistas são alunos de escolas públicas, com ensino "fraco"). Outra opinião contrária bastante difundida é a desigualdade no tratamento dos candidatos mais bem preparados.
Já seus defensores argumentam que as cotas são uma forma concreta de reparar erros do passado com uma política temporária, que visa dar ao maior número de afrodescendentes oportunidades de ascensão social por meio do estudo.
Polêmicas à parte, permanece a questão: como promover a superação das desigualdades decorrentes da escravidão e de uma abolição que não pensou na integração dos ex-escravos?

Fonte: Dimenstein, Gilberto. Dez Lições de Sociologia - Para um Brasil cidadão.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Enem 2013: dicas de temas na área de Ciências Humanas


Fique atento para a interdisciplinaridade presente nos temas divulgados para a prova de Ciências Humanas e suas Tecnologias:

- Diversidade cultural, conflitos e vida em sociedade;
- Formas de organização social, movimentos sociais, pensamento político e ação do Estado;
- Características e transformações das estruturas produtivas;
- Os domínios naturais e a relação do ser humano com o ambiente;
- Representação espacial.

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10 questões de HISTÓRIA para entender o Enem
Evolução Humana: Esta questão apresenta um gráfico a ser interpretado, além da relação interdisciplinar entre história e biologia. Este diálogo entre disciplinas de diferentes áreas do conhecimento é uma constante no Enem.

Guerra Fria: Para essa questão é importante que o candidato tenha o conhecimento factual, ou seja, domínio dos conteúdos cobrados no programa do MEC. Além disso, a questão trata da Guerra Fria, um dos temas mais cobrados do Enem.

Economia na Era Vargas: Esta questão é importante na medida que trata da Era Vargas, um tema que aparece em várias edições do Enem. Características do período, como o direito dos trabalhadores, a ditadura do Estado Novo, industrialização e outras mudanças econômicas são recorrentes na prova.

 Alienação do Trabalho: Esta questão, além de tratar da Revolução Industrial – tema também muito cobrado na prova, confronta duas fontes diferentes a serem interpretadas.

Pluralidade Cultural: Esta questão mostra que o Enem não tem só a intenção de cobrar conteúdos, ou mesmo testar o raciocínio e interpretação dos candidatos. O Enem também é uma prova que busca educar, através de questões visando posturas politicamente corretas.

Barbárie e Civilização: Já dissemos anteriormente que o questionamento de valores é uma constante no Enem. Esta questão, além de levantar esta análise, também estimula a comparação de imagens enquanto documentos históricos.

Crítica Social de Portinari: É bom entender a forma como algumas questões de história do Enem são elaboradas. Neste caso, a relação entre texto e imagem é apresentada de forma diferente.  A imagem é inserida como resposta, não como contexto. Legal, né? Mas isso não representa uma tendência do Enem. É mais um caso isolado.

Suicídio de Vargas: Esta questão mostra que a preocupação com Getúlio extrapola a Era Vargas. Olha o homem aí de novo. Fique atento a momentos marcantes da História do Brasil, pois costumam ser muito cobrados nas provas.

Povoamento da América: A inclusão desta questão nesta lista é muito simples: não há no guia de conteúdos do Enem menção sobre a pré-história da América. Mesmo assim, o assunto foi cobrado. Isto nos leva a conclusão de que não dá para seguir apenas o guia.

Colonização da África: História da África, escravidão, a luta dos negros e seu papel na formação do Brasil são temas recorrentes no Enem. Há várias questões sobre este tema. Portanto, fique atento a ele.



domingo, 29 de setembro de 2013

E a luta continua...

Após mais de cinco séculos de lutas, e apesar dos preconceitos, a formação do povo brasileiro incorporou várias contribuições trazidas pelos povos indígenas e pelos negros africanos.
Gastronomia, música e dança, folclore e mitos, manifestações religiosas, expressões linguísticas, dentre outras, são apenas algumas das áreas em que essas contribuições são facilmente identificadas. A literatura,o cinema, o teatro e a televisão receberam influências de iracemas e macunaímas, de zumbis e sacis.
Apesar disso, os povos indígenas e os afrodescendentes ainda hoje enfrentam dificuldades para obter sua integração social. A maioria dos índios e negros vive em situação precária, tendo poucas oportunidades de acesso às condições básicas que garantam sua sobrevivência.
No caso dos índios, mesmo após a proibição de sua escravização, o estrago já estava feito. sem resistência contra as doenças trazidas pelos europeus, muitas tribos foram dizimadas. Os que praticavam rituais antropofágicos, inaceitáveis pela lógica cristã, ou os que defendiam as terras em que viviam diante da expansão agrícola foram mortos em "guerras justas". Se o extermínio não veio pela escravização, ele quase se realizou no simples contato com os portugueses.
No início da colonização, existiam mais de 1.500 grupos tribais, com grandes diferenças culturais entre si.. Para se ter uma noção dessa diversidade, basta citar que havia mais de 1.300 línguas indígenas. Dessas, sobreviveram cerca de 180, além das faladas por alguns poucos grupos ainda hoje isolados e sobre os quais não há estudos de classificação linguística.
Hoje, considera-se que a população indígena tenha cerca de 350 mil indivíduos, além de milhares de índios que vivem nas cidades. Mais da metade vive nas regiões Centro-Oeste e Norte.
Várias tribos lutam para garantir a posse de suas terras. As áreas demarcadas são frequentemente invadidas por brancos em busca de madeiras nobres e metais preciosos. Em alguns estados amazônicos, é comum encontrarmos campanhas contra a criação de novas reservas indígenas. Muitas aldeias convivem com doenças, alcoolismo e suicídios de jovens sem perspectivas de futuro.. Rotulados de modo pejorativo, esses índios sofrem grave discriminação.
Em relação aos descendentes dos escravos africanos, a situação não é melhor. Leis como a Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico marítimo de escravos em 1850, a do Ventre Libre (1871) e a dos Sexagenários (1885) foram formas de protelar ao máximo o fim da escravidão, atendendo aos interesses dos grandes proprietários de terras. Somente com a chegada dos imigrantes, a partir da segunda metade do século XIX, é que a mão-de-obra escrava foi sendo lentamente substituída pelo trabalho desses imigrantes.
Com o fim da escravidão, declarado legalmente pela Lei Áurea em 13 de maio de 1888, milhões de negros foram "libertados" e a maioria saiu das senzalas para favelas e cortiços. Sem acesso a emprego, moradia, educação, muitos negros libertos tornaram-se mão-de-obra barata nos centros urbanos, caindo muitas vezes na marginalidade. Tudo isso só fez reforçar o preconceito racial, que já era muito grande.
Ainda hoje, as estatísticas demonstram que a maioria da população carcerária no Brasil é constituída de negros e mulatos. Esses grupos também são os que têm menor escolaridade, maior taxa de mortalidade infantil, menor índice de expectativa de vida.
Hoje, diversos movimentos conquistaram leis em favor dos direitos da população negra. O Estado brasileiro tornou-se responsável por políticas públicas destinadas a pagar a dívida histórica que o país tem com os afrodescendentes.
Ações afirmativas, como a política de cotas nas uniersidades federais,foram pensadas para que durante alguns anos uma parcela da população negra e índia tenha maior acesso ao ensino superior. Ações como essa provocam muitas polêmicas e não há consenso sobre como encaminhá-las.
Mesmo depois de tanto tempo, com tantas barreiras para se promover a integração entre os povos que habitavam o Brasil, não é de se estranhar que os negros e índios ainda tenham de lutar até serem aceitos definitivamente como parte do povo brasileiro.

Fonte: "10 Lições de Sociologia - para um Brasil cidadão", Gilberto Dimenstein

sábado, 28 de setembro de 2013

Estereótipos









Alguns conceitos de sistema político

Estado e governo: a palavra Estado (com a letra "E" maíuscula) diz respeito à organização política, jurídica e social de um determinado território geográfico, dirigida por um governo e regulamentada por um conjunto de leis. Dessa forma, o Estado é uma entidade que se mantém ao longo do tempo (excetuando-se em casos de revoluções ou secessões) e pode corresponder de forma ampla com a ideia de nação. Por sua vez, os governos de um determinado Estado podem se alterar, tanto em relação aos indivíduos que o compõe, quanto do ponto de vista de sua organização. Pense nos seguintes exemplos: a Proclamação da República representou uma mudança na forma de governo no Brasil (de monarquia para um modelo republicano), mas manteve o mesmo Estado. Da mesma forma, as eleições gerais (como a ocorrida em 2010) proporcionaram uma mudança no governo, enquanto a unidade do Estado brasileiro se manteve.

Sistema político ou forma de governo: são as formas de organização das instituições políticas em um Estado. Os regimes democráticos podem assumir diferentes formas de governo: no caso brasileiro, vivemos em um modelo presidencialista, onde o Chefe de Governo é eleito pelo povo; existem ainda as monarquias constitucionais (como no caso do Reino Unido) e os governos parlamentaristas (como, por exemplo, Israel), onde o chefe do poder executivo é apontado pelo conjunto dos representantes eleitos para o poder legislativo. 

Democracia representativa: também chamada de democracia indireta, é a forma de democracia onde os membros do governo são eleitos para atuarem, por um determinado período de tempo (mandato), como representantes de um determinado grupo de pessoas. No caso brasileiro, por exemplo, senadores e deputados federais são eleitos para representar os eleitores dos seus diferentes estados de origem. Na prática, é como se os eleitores transferissem sua capacidade política, temporariamente, para outros cidadãos que atuam como representantes do povo junto aos diferentes poderes do governo. No Brasil, os candidatos aos cargos eletivos devem estar associados a um partido político.

Partido político: é uma organização política-burocrática, não governamental, que agrega indivíduos com interesses e ideologias diferentes. No mundo ocidental, não existe democracia sem a existência de partidos políticos que representem diferentes ideias, políticas e planos de governo. Em certos casos, diferentes partidos podem se reunir em torno de alianças e coalizões, de forma a conquistar objetivos comuns. No Brasil, durante a maioria do período da ditadura militar, eram apenas dois partidos (sendo proibido, no entanto, o uso da palavra "partido"). Tratavam-se da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), a base de sustentação civil do regime militar e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que deveria exercer uma oposição moderada ao regime, mas sem poder exceder o número de representantes eleitos do primeiro. Outras ideologias e partidos eram severamente reprimidos.

Democracia direta: é o termo usado para descrever ações políticas e formas de organização exercidas pelos cidadãos sem mediação de representantes eleitos. É característica de pequenos grupos ou associações (como, por exemplo, organizações de ideologia anarquista), mas também podem existir em nível nacional, como no caso da Suíça (onde, em ações políticas regionais, uma maioria simples é suficiente para aprovar uma lei proposta por um cidadão). No Brasil, o termo é usado para se referir a formas de consulta aos cidadãos que não envolvam seus representantes eleitos, como os plebiscitos. 

Plesbicito, referendo e iniciativa popular: são formas de democracia direta no sistema brasileiro. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, são "consultas ao povo para decidir sobre matéria de relevância para a nação em questões de natureza constitucional, legislativa ou administrativa." O plebiscito é convocado anteriormente à criação de uma lei ou ato administrativo, ao passo que um referendo é convocado posteriormente, para a aceitação ou rejeição de uma medida de governo ou lei. Uma iniciativa popular é a apresentação de um projeto de lei apoiada por no mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuídos em ao menos cinco estados. A Lei da Ficha Limpa, por exemplo, surgiu de uma iniciativa popular.

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/ensino-medio/plano-de-aula-sociologia-sistema-politico-brasil-745568.shtml

A organização política no Brasil

A organização política no Brasil

Em diversas nações do mundo e no Brasil contemporâneo, o poder e atividades governamentais baseiam-se no princípio da divisão em três poderes: executivo, legislativo e judiciário. Em termos conceituais, essa divisão é baseada nas ideias de pensadores iluministas, como John Locke (1632 - 1704) e Charles de Montesquieu (1689 - 1755), e visa evitar os desvios e distorções caracterizados pela centralização dos poderes de governo em um indivíduo ou grupo social, como é o caso dos regimes autoritários e das antigas monarquias absolutistas. Assim, de acordo com Montesquieu, esse modelo tripartite implica não apenas em uma divisão das funções de governo necessárias a um Estado democrático, mas também em mecanismos de controle mútuo entre os diferentes poderes, de forma que nenhum deles se sobressaia, cometendo desvios que possam prejudicar os cidadãos.

O poder executivo é encarregado de realizar as diferentes tarefas administrativas necessárias ao bem comum, observados os limites determinados pelas leis vigentes. No Brasil, é formado por órgãos de administração direta, como ministérios e secretarias, e indireta, como empresas públicas e autarquias.

Por sua vez, o poder legislativo é incumbido da elaboração das leis, por meio das atividades de representantes democraticamente eleitos. Também cabe ao legislativo a aprovação de projetos de lei propostos pelo poder executivo, assim como a fiscalização de suas atividades administrativas (como, por exemplo, a correta destinação de recursos públicos).

A tarefa de interpretação das leis, de garantir os direitos dos individuais e coletivos e de mediar conflitos é de responsabilidade do poder judiciário. Cabem a esse poder o julgamento e a determinação de penas para indivíduos ou entidades que não estejam agindo de acordo com as leis.

Além da divisão dos poderes, as funções de governo no Brasil são divididas também em três diferentes esferas: federal, estadual e municipal. A cada uma dessas esferas correspondem diferentes atribuições, mecanismos administrativos e até mesmo sistemas de tributação. Dessa maneira, apesar de representarem o poder executivo, o Presidente da República, os governadores dos estados e os prefeitos possuem atribuições e responsabilidades distintas, de acordo com sua esfera de atuação. Por exemplo, no caso do sistema educacional brasileiro, existe uma divisão de responsabilidades entre municípios, estados e governo federal: aos municípios cabe o gerenciamento de pré-escolas e do ensino fundamental; os estados devem organizar a oferta de ensino médio, mas atuando com os municípios no ensino fundamental; ao governo federal, cabe a regulação do sistema como um tudo e, de forma específica, do ensino superior.

De forma semelhante, o poder legislativo se divide em diversas esferas com organizações distintas: câmaras de vereadores no caso dos municípios, assembleias legislativas unicamerais no caso dos estados, e o Congresso Nacional (composto pela Câmara dos Deputados e o Senado) no nível federal. No caso do poder judiciário também se observa uma divisão entre órgãos e tribunais federais e estaduais. No entanto, não existem tribunais municipais. Nesse caso, um certo número de municípios podem compor uma comarca, sob o comando de um juiz de direito.


Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/ensino-medio/plano-de-aula-sociologia-sistema-politico-brasil-745568.shtml

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O Racismo



- Escuta aqui, ó criolo...

- O que foi?

- Você andou dizendo por aí que no Brasil existe racismo.

- E não existe?

- Isso é negrice sua. E eu que sempre te considerei um negro de alma branca... É, não adianta. Negro quando não faz na entrada...

- Mas aqui existe racismo.

- Existe nada. Vocês têm toda a liberdade, têm tudo o que gostam. Têm carnaval, têm futebol, têm melancia... E emprego é o que não falta. Lá em casa, por exemplo, estão precisando de empregada. Pra ser lixeiro, pra abrir buraco, ninguém se habilita. Agora, pra uma cachacinha e um baile estão sempre prontos. Raça de safados! E ainda se queixam!

- Eu insisto, aqui tem racismo.

- Então prova, Beiçola. Prova. Eu alguma vez te virei a cara? Naquela vez que te encontrei conversando com a minha irmã, não te pedi com toda a educação que não aparecesse mais na nossa rua? Hein, tição? Quem apanhou de toda a família foi a minha irmã. Vais dizer que nós temos preconceito contra branco?

- Não, mas...

- Eu expliquei lá em casa que você não fez por mal, que não tinha confundido a menina com alguma empregadoza de cabelo ruim, não, que foi só um engano porque negro é burro mesmo. Fui teu amigão. Isso é racismo?

- Eu sei, mas...

- Onde é que está o racismo, então? Fala, Macaco.

- É que outro dia eu quis entrar de sócio num clube e não me deixaram.

- Bom, mas pera um pouquinho. Aí também já é demais. Vocês não têm clubes de vocês? Vão querer entrar nos nossos também? Pera um pouquinho.

- Mas isso é racismo.

- Racismo coisa nenhuma! Racismo é quando a gente faz diferença entre as pessoas por causa da cor da pele, como nos Estados Unidos. É uma coisa completamente diferente. Nós estamos falando do crioléu começar a freqüentar clube de branco, assim sem mais nem menos. Nadar na mesma piscina e tudo.

- Sim, mas...

- Não senhor. Eu, por acaso, quero entrar nos clubes de vocês? Deus me livre.

- Pois é, mas...

- Não, tem paciência. Eu não faço diferença entre negro e branco, pra mim é tudo igual. Agora, eles lá e eu aqui. Quer dizer, há um limite.
- Pois então. O ...
- Você precisa aprender qual é o seu lugar, só isso.
- Mas...
- E digo mais. É por isso que não existe racismo no Brasil. Porque aqui o negro conhece o lugar dele.
- É, mas...
- E enquanto o negro conhecer o lugar dele, nunca vai haver racismo no Brasil. Está entendendo? Nunca. Aqui existe o diálogo.

- Sim, mas...

- E agora chega, você está ficando impertinente. Bate um samba aí que é isso que tu faz bem.

Luis Fernando Veríssimo

Atividade:
1) Destaque, no mínimo, 5 expressões racistas do texto e explique porque você as considerou racistas.
2) Explique a charge do texto.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O Ritual do Corpo entre os Sonacirema

Introdução geral à cultura Sonacirema
O Prof. Linton foi o primeiro a chamar a atenção dos antropólogos para o complexo ritual dos Sonacirema, há vinte anos atrás, mas a cultura deste povo é ainda pouco compreendida. Os Sonacirema são um grupo norte-americano que vive no território que se estende desde os Cree do Canadá, aos Yaqui e Tarahumara do México, e aos Caribe e Aruaque das Antilhas. Pouco se sabe quanto à sua origem, embora a tradição mítica afirme que eles vieram do leste.
A cultura Sonacirema se caracteriza por uma economia de mercado altamente desenvolvida, que se beneficiou de um habitat cultural muito rico. Embora a maior parte do tempo das pessoas, nesta sociedade, seja devotada à ocupação econômica, uma grande porção dos frutos destes trabalhos e uma considerável parte do dia são despendidas em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo humano, cuja aparência e saúde constituem a preocupação dominante deste povo. Embora tal tipo de preocupação não seja realmente pouco comum, seus aspectos cerimoniais e a filosofia aí implícitas são únicas.
A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano é feio, e que sua tendência natural é a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo, a única esperança do homem é evitar estas características, através do uso de poderosas influências do ritual e de cerimônia. Todo o grupo doméstico possui um ou mais santuários dedicados a tal propósito. Os indivíduos mais poderosos desta sociedade têm vários santuários em sua casa e, de fato, a opulência de uma casa é freqüentemente aferida em termos da quantidade dos centros de rituais que abrigam. 
Os santuários dos Sonacirema
Embora cada família possua ao menos um destes santuários, os rituais a eles associados não são cerimônias familiares, mas sim privadas e secretas. Os ritos, normalmente, só são discutidos com as crianças, e isto apenas durante a fase em que elas estão sendo iniciadas nestes mistérios. Eu pude, entretanto, estabelecer com os nativos uma relação que me permitiu examinar este santuário e anotar a descrição destes rituais.
O ponto focal do santuário é uma caixa ou arca embutida na parede. Nesta arca são guardados os inúmeros feitiços e poções mágicas, sem os quais nenhum nativo acredita que poderia viver. Tais feitiços e poções são obtidos de vários profissionais especializados. Dentre estes, os mais poderosos são os curandeiros, cujos serviços devem ser retribuídos por meio de presentes substanciais. No entanto, o curandeiro não fornece as poções curativas para seus clientes, decidindo apenas os ingredientes que nelas devem entrar, escrevendo-os em seguida em uma linguagem antiga e secreta. Tal escrito só pode ser decifrado pelo curandeiro e pelos herbanários, os quais, mediante outros presentes, fornecem o feitiço desejado.
O feitiço não é descartado depois de ter servido a seu propósito, mas sim colocado na caixa de mágica do santuário doméstico. Como estes materiais mágicos são específicos para certas doenças, e considerando-se que as doenças reais ou imaginárias deste povo são muitas, a caixa de mágicas costuma estar sempre transbordando. Os pacotes mágicos são tão numerosos que as pessoas esquecem sua serventia original, e temem usá-los de novo. Embora os nativos tenham se mostrado vagos em relação a esta questão, só podemos concluir que a idéia subjacente ao costume de se guardar todos os velhos materiais mágicos, é a de que sua presença na caixa de mágica, diante da qual os rituais do corpo são encenados, protegem de alguma forma o fiel.
Embaixo da caixa de mágicas existe uma pequena fonte. Todo dia, cada membro da família, em sucessão, entra no quarto do santuário, curva a cabeça diante da caixa de mágica, mistura diferentes tipos de água sagrada na fonte e realiza um breve rito de ablução. As águas sagradas são obtidas do Templo da água da comunidade, onde os sacerdotes conduzem elaboradas cerimônias para manter o líquido ritualmente puro.
Os sacerdotes dos Sonacirema
Na hierarquia dos profissionais da magia e abaixo do curandeiro em termos de prestígio, estão os especialistas, cuja designação é melhor traduzida por “homens-da-boca-sagrada”. Os Sonacirema têm um horror pela boca e uma fascinação por ela que chega às raias da patologia. Acredita-se que a condição da boca possui uma influência sobrenatural nas relações sociais. Não fosse pelos rituais da boca, os Sonacirema acham que seus dentes cairiam, suas gengivas sangrariam, suas mandíbulas encolheriam, seus amigos os abandonariam, seus amantes os rejeitariam. Eles também acreditam na existência de uma forte relação entre características orais e morais. 
O ritual do corpo cotidianamente realizado por todos inclui um rito bucal. Apesar de sabermos que este povo é tão meticuloso no que diz respeito ao cuidado da boca, este rito envolve uma prática que o estrangeiro não-iniciado não consegue deixar de achar repugnante. Conforme foi descrito, o rito consiste na inserção de um pequeno feixe de cerdas de porco na boca, juntamente com certos pós mágicos, e em seguida na movimentação deste feixe segundo uma série de gestos altamente formalizados.
Além deste rito bucal privado, as pessoas procuram um homem-da-boca-sagrada uma ou duas vezes por ano. Estes profissionais possuem uma impressionante parafernália que consiste em uma variedade de perfuratrizes, furadores, sondas e agulhas. O uso destes objetos no exorcismo dos perigos da boca implica uma quase e inacreditável tortura ritual do cliente. O homem-da-boca-sagrada abre a boca do cliente e, usando as ferramentas citadas, alarga qualquer buraco que o uso tenha feito nos dentes. Materiais mágicos são então depositados nestes buracos. Se não se encontram buracos naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são serrados, para que a substância sobrenatural possa ser aplicada. Na imaginação do cliente, o objetivo destas aplicações é deter ao apodrecimento dos dentes e atrair amigos. O caráter extremamente sagrado e tradicional do mito fica evidente no fato de que os nativos retornam todo ano ao homem-da-boca-sagrada, embora seus dentes continuem a se deteriorar.
Deve-se esperar que quando um estudo intensivo dos Sonacirema for feito, seja realizada uma pesquisa cuidadosa sobre a estrutura de personalidade destes nativos. Basta observar o brilho nos olhos de um homem-da-boca-sagrada quando ele enfia uma agulha em um nervo exposto, para que se suspeite de que uma certa dose de sadismo está presente. Se isto puder ser verificado, uma configuração muito interessante emergirá, posto que a maioria da população mostra tendências masoquistas bem definidas. Era a tais tendências que o Professor Linton se referia, ao discutir uma parte especial do ritual cotidiano do corpo, que é apenas realizada pelos homens. Esta parte do rito envolve uma arranhadura e laceração da superfície do rosto por meio de um instrumento cortante. Ritos femininos especiais ocorrem somente quatro vezes por mês lunar, mas o que lhes falta em freqüência, lhes sobra em barbárie. Como parte desta cerimônia, as mulheres assam suas cabeças em pequenos fornos durante mais ou menos uma hora. O ponto teoricamente interessante é que um povo dominantemente masoquista desenvolve especialistas sádicos.
O templo dos Sonacirema
Os curandeiros possuem um templo imponente, o latipsoh, em cada comunidade de algum tamanho. As cerimônias mais elaboradas, necessárias para o tratamento de pacientes muito doentes, só podem ser realizadas neste templo. Tais cerimônias envolvem não só o taumaturgo, mas também um grupo permanente de vestais que se movimentam nas câmaras do templo com uma roupa e um penteado distintivos.
As cerimônias latipsoh são tão violentas que chega a ser fenomenal o fato que uma razoável proporção dos nativos realmente doentes que entram no templo consiga curar-se. Crianças pequenas, cuja doutrinação é ainda incompleta, costumam resistir às tentativas de leva-las ao templo, alegando que “é aonde você vai para morrer”. Apesar disto, os doentes adultos não apenas desejam, como ficam ansiosos para submeter-se à prolongada purificação ritual, se eles possuem meios para tanto. Os guardiões de muitos templos, não importa quão doente o suplicante ou quão grave a emergência, não admitem o cliente se ele não puder dar um rico presente ao zelador. Mesmo depois que se conseguiu a admissão e se sobreviveu às cerimônias, os guardiões não permitem a saída do neófito até que este dê ainda outro presente.
O(a) suplicante, ao entrar no templo, é primeiramente despido(a) de todas as suas roupas. Na vida cotidiana, os Sonacirema evitam a exposição de seus corpos quando das suas funções naturais. O banho e a excreção são realizados somente na intimidade do santuário doméstico, aonde são ritualizados, fazendo parte dos ritos corporais. A súbita perda da privacidade corporal, ao se entrar no latipsoh, costuma causar um choque psicológico. Um homem, cuja própria mulher jamais viu quando ele realizava um ato excretório, de repente encontra-se nu, assistido por uma vestal, enquanto executa assim suas funções naturais dentro de um vaso sagrado. Este tipo de tratamento cerimonial é necessário porque as excreções são usadas por um adivinho para diagnosticar o curso e a natureza da doença do paciente. Os clientes femininos, por seu lado, vêm seus corpos nus submetidos ao escrutínio, manipulação e espetadelas dos curandeiros.
Poucos suplicantes no templo estão suficientemente bem para fazer qualquer coisa que não seja ficar deitados nas camas duras. As cerimônias, como os já citados ritos do homem-da-boca-sagrada, implicam desconforto e tortura. Com precisão ritual, as vestais acordam a cada madrugada seus miseráveis pacientes, rolam-nos em seus leitos de dor, enquanto realizam abluções, cujos movimentos formalizados são objeto de treinamento intensivo das vestais. Em outros momentos, elas inserem varas mágicas na boca do paciente, ou obrigam-no a comer substâncias que são consideradas curativas. O fato de que estas cerimônias do templo possam não curar, ou possam mesmo matar o neófito, não diminui de modo algum a fé do povo nos curandeiros.
O curandeiro Escutador
Ainda resta um outro tipo de especialista, conhecido como um “escutador”. Este feiticeiro tem o poder de exorcizar os demônios que se alojam nas cabeças das pessoas que foram enfeitiçadas. Os Sonacirema acreditam que os pais fazem feitiçaria entre seus próprios filhos. As mães são especialmente suspeitas de colocarem uma maldição na criança, enquanto ensinam a elas os ritos corporais secretos. A contra-magia do feiticeiro “escutador” é singular por sua relativa ausência de ritual. O paciente simplesmente conta ao “escutador” todos os seus problemas e medos, começando com as primeiras dificuldades de que pode se lembrar. A memória exibida pelos Sonacirema nestas sessões de exorcismo é verdadeiramente notável. Não é incomum que o paciente lamente a rejeição que sentiu ao ser desmamado, e alguns indivíduos chegam a localizar seus problemas nos efeitos traumáticos de seu próprio nascimento.
Outros rituais
Para concluirmos, deve-se mencionar certas práticas que estão baseadas na estética nativa, mas que dependem da aversão generalizada ao corpo e às funções naturais. Há jejuns rituais para fazer pessoas gordas ficarem magras, e banquetes cerimoniais para fazer pessoas magras ficarem gordas. Outros ritos ainda são usados para fazer os seios das mulheres maiores, se eles são pequenos, e menores, se eles são grandes. Uma insatisfação geral com a forma dos seios é simbolizada pelo fato de que a forma ideal está virtualmente fora do espectro da variação humana. Umas poucas mulheres que sofrem de um quase inumano desenvolvimento hipermamário são tão idolatradas que podem viver muito bem através de simples viagens à aldeia, permitindo aos nativos admirá-los mediante uma taxa.
Já fizemos referências ao fato de que as funções excretórias são ritualizadas, rotinizadas e relegadas ao domínio do secreto. As funções reprodutivas naturais são igualmente distorcidas. O intercurso sexual é tabu como tópico de conversa, e programado e planejado enquanto ato. Grandes esforços são feitos para evitar a gravidez por meio de uso de materiais mágicos, ou pela limitação do intercurso em certas fases da lua. A concepção é realmente muito pouco freqüente. Quando grávidas, as mulheres se vestem de forma a ocultar seu estado. O parto se realiza em segredo, sem amigos ou parentes assistindo, e a maioria das mulheres não amamenta nem cuida dos seus bebês.
Nossa descrição da vida ritual dos Sonacirema certamente mostrou que eles são um povo obcecado pela magia. É difícil compreender como eles conseguiram sobreviver por tanto tempo debaixo dos pesados fardos que eles mesmos se impuseram. Mas, mesmo os costumes tão exóticos quanto estes, ganham seu verdadeiro sentido quando encarados a partir do esclarecimento feito por Malinowski, quem escreveu:
“Olhando de cima e de longe, dos lugares seguros e elevados da civilização desenvolvida, é fácil ver toda a rudeza e a irrelevância da magia. Mas sem este poder e este guia, o homem primitivo não poderia ter dominado as dificuldades práticas como fez, nem poderia o homem ter avançado até os mais altos estágios da civilização.”
[NE) Autor original: Horace Minner. Traadução atribuída a  Eduardo B. Viveiros de Castro, versão original em inglês disponível em  http://www.ohio.edu/people/thompsoc/Body.html

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A história de Paul Raj: Escória da Sociedade


Paul Raj tinha 18 anos quando seu professor de sociologia entrou na sala de aula, desenhou uma pessoa na lousa e começou a explicar a estrutura de castas da sociedade na Índia - seu país de origem. A cabeça (Brahmim) representa os religiosos; os braços (Veishya) são os guerreiros e militares; os joelhos (Kshathriya) representam os nobres e os ricos; os pés (Shudra) são os fazendeiros e comerciantes. A poeira sob os pés não pertence às castas mas também tem um nome: são os párias, os chamados Intocáveis. Eles formam a escória da sociedade indiana. São considerados impuros e, por isso, ninguém ousa nem ao menos encostar neles. Foi só ao ouvir aquilo que Paul finalmente entendeu dezenas de episódios da sua vida.
Quando ele tinha 8 anos, encontrou seu irmão amarrado a uma árvore, com as pernas cobertas de formigas vermelhas. O garoto estava sendo punido por ter entrado no jardim de um vizinho. Paul estava com o pai, que se ajoelhou e, chorando, começou a pedir clemência. É difícil de acreditar, mas a reação do dono da casa foi bater no pai e manter o castigo.
"A esposa do dono jogava açúcar na perna dele para atrair mais formigas e os filhos dela ficavam rindo em volta. Ficamos ali parados, vendo meu irmão ser comido vivo, sem fazer nada", diz Paul, que hoje tem 22 anos.
As regras que Paul deveria seguir eram inúmeras. Ele não podia beber água do rio, como faziam todas as pessoas da cidade (no lugar, devia andar muito até chegar num poço em que a água era barrenta e tinha um gosto estranho), não podia ir a lugares públicos e tinha que ter cuidado para que nem sua sombra atravessasse o caminho de uma pessoa de casta superior. Além disso, como todos os intocáveis, não podia ir à escola. Por isso, quando Paul tinha 11 anos, seus pais autorizaram um missionário francês a assinar um documento dizendo que ele era órfão. Paul foi enviado a um orfanato onde podia estudar.
A vida no orfanato não foi fácil. Além da distância dos pais, que ele não entendia muito bem, Paul era obrigado a dar duro na faxina dos banheiros e no preparo das refeições. Ele morava com outras 78 crianças e as condições do orfanato eram tão precárias que eles tinham que dividir um único lençol de casal entre 18 crianças todas as noites.
"Me lembro uma vez em que estava trabalhando na cozinha e vi uma barata caindo na panela do molho. Eu gritei e meu supervisor logo apareceu. Ele tirou a barata da panela com a mão, tampou e me mandou servir para as outras crianças sem contar nada sobre o ocorrido. Eu não disse nada porque todas as crianças que questionavam ou reclamavam eram expulsas do orfanato", conta Paul.
A cada 6 meses, ele conseguia encontrar seu pai por meia hora, e escondido. "Ele sempre me trazia um doce e eu nunca comia de uma vez. Ia de pouquinho em pouquinho, para ter a presença do meu pai por mais tempo", lembra sorrindo. Na única vez em que sua mãe foi visitá-lo, perto de um natal, o disciplinário acabou descobrindo e escorraçando-a dali.
"Foi muito ruim ver minha mãe ser maltratada e não poder fazer nada", diz Paul. Para piorar, o disciplinário tomou das mãos de Paul a cesta com comida que sua mãe tinha levado e a distribui entre todos os alunos.
Mas Paul era um ótimo aluno e, aos 18, conseguiu entrar na faculdade de Direito - o que mudou sua vida completamente. A começar pela aula do professor de sociologia. Naquela mesma noite, Paul foi para a biblioteca e retirou mais de 40 livros sobre a sociedade de castas indianas. Leu cada um deles, tentando encontrar todas as respostas que passou a vida sem ter para quem perguntar. Na teoria, as castas são ilegais desde 1952. Mas na prática, é muito diferente.
Mas descobrir a origem do sofrimento da sua infância não tornou sua vida mais fácil. "Eu não podia contar minha origem a ninguém. E era horrível saber que eu não estava sendo sincero com meus amigos", diz. Paul se sentia tão angustiado que foi conversar com seu professor e contou sobre sua condição. O professor sabia que a maior parte dos alunos reagiria muito mal à notícia e aconselhou a Paul continuar mantendo aquilo como segredo. Mas Paul não agüentava mais mentir aos seus amigos e, numas férias escolares, convidou os 6 mais próximos para passarem uma semana na casa de seus pais. Alertou que não haveria quartos nem cama nem televisão, mas não explicou as razões para isso. "Eu sabia que ia ser uma experiência radical, mas todo mundo estava encarando a viagem como uma aventura. Eles não imaginavam o que é, na prática, uma família de sete pessoas morando numa casa de 3 cômodos. As mulheres dormem na cozinha. Os homens, na varanda - junto com os bichos, para guardar a casa. Não temos tomada nem nenhum aparelho eletrônico. O banheiro fica do lado de fora e não tem água encanada."
Quando chegaram à casa de Paul, os amigos não entendiam porque a família se recusava a freqüentar lugares públicos ou a conversar com as pessoas que passavam na rua, mas Paul desconversava quando eles perguntavam alguma coisa. Ele ainda não tinha certeza de que os amigos iriam aceitar a situação. "Só que, durante o jantar, minha mãe, que estava muito feliz com a presença deles, agradeceu a todos por serem meus amigos mesmo nossa família sendo de intocáveis. Na hora, senti que meu mundo estava desmoronando."
Logo que o jantar acabou, Paul abriu o jogo. Um dos amigos que estava lá, e era da casta dos Brahmins, não aceitou a situação. Foi embora ao amanhecer e tratou de contar para todos os alunos da sala que Paul era um intocável. Sua vida na faculdade nunca mais foi a mesma. Quando as aulas voltaram, todos haviam mudado com ele. "Onde quer que eu me sentasse, sempre haveria pelo menos três cadeiras vazias à minha volta. Foi muito duro e eu estava prestes a abandonar a faculdade. Mas foi aí que apareceu a Shilpa".
Shilpa era uma garota da sala de Paul. Um dia ela chegou para ele e disse que não concordava com essa historia de casta, e que ele podia contar com ela! Eles começaram a se conhecer, iam a lugares juntos, até que ele acabou se apaixonando. Um ano depois, no dia dos namorados, Paul comprou flores e foi falar com ela. "Quando a encontrei, comecei a gaguejar e quase fugi correndo, mas falei tudo o que queria." Shilpa contou que também estava apaixonada e disposta a enfrentar qualquer desafio para ficarem juntos.
A companhia de Shilpa fez com que Paul percebesse a importância de lutar contra um preconceito tão sem sentido. Por causa disso, passou a trabalhar como voluntário em diversos projetos e a participar de grupos de discussão sobre direitos humanos e discriminação racial. Se destacava em todos os grupos, mas ainda assim tinha que conviver com o preconceito contra o qual tanto lutava.
"Uma vez, meu colega brahmim, o mesmo que havia ido embora da minha casa quando descobriu minha origem, organizou uma festa e convidou todos os 67 alunos da sala, menos a mim. Todos estavam empolgados com a festa, mas quando Shilpa soube que eu não havia sido convidado, foi perguntar a ele por que, na frente de todos. Ele disse que não me convidou porque eu era um intocável e ela disse que, sendo assim, também não iria. Para minha surpresa, várias outras pessoas também decidiram, naquele momento, que não iriam à festa". E essa não foi a única vez que Shilpa se sacrificou por Paul.
No fim do último ano da faculdade, Paul estava sem dinheiro para pagar a mensalidade. Um dia antes dos exames, um dos professores entrou na sala dizendo na frente de todos que ele não poderia fazer os exames porque não havia pago completamente os estudos. "É lógico que todo mundo começou a rir e eu me senti muito humilhado", conta. No mesmo dia, à tarde, Shilpa chegou com o dinheiro na mão e sem seus brincos de ouro favoritos, um presente de aniversario de seus pais. "Eu não podia aceitar, nem acreditar no que ela estava fazendo. Ela me disse que se eu amasse ela, eu aceitaria e faria meus exames. Eu sabia que ela estava certa."
Paul formou-se em 2002. "Não consigo descrever como foi para os meus pais me ver chegando em casa, com um diploma na mão. Em toda minha vila, que tem 5 mil pessoas, apenas 7 foram para a faculdade. E eu era o primeiro intocável", conta. Paul diz que lembra de sua mãe correndo pelas ruas chamando todo mundo para ir à casa e do seu pai sentado na varanda, com um cigarro na mão, contando a todos a boa nova e mostrando o diploma como se fosse o mais precioso dos troféus.
Mas este estava longe de ser a última alegria que Paul daria a seus pais. Depois de formado, Paul foi convidado por uma organização internacional para fazer um estágio em Londres, na Inglaterra. Ele foi
"Lembro como fiquei impressionado com o banheiro. Era como uma casa para mim: você pode guardar coisas dentro e ainda tem água à vontade", diz já mais acostumado ao ambiente e aos banhos - ele demorou uma semana para ter coragem de entrar debaixo do chuveiro. "No primeiro banho, não sabia nem como ligar o chuveiro. Depois, me senti tomando banho em uma cachoeira, mal podia acreditar que aquilo estava acontecendo dentro de uma casa."
Mas o dia mais emocionante da temporada londrina de Paul foi quando a chefe do programa de estágio o abraçou. Foi o primeiro abraço que Paul recebeu na vida, de alguém que não era da sua família (ele e Shilpa, por exemplo, apesar de estarem juntos há 6 anos, nunca se beijaram na boca, nem na bochecha). "Foi muito estranho. Eu nem sabia exatamente o que fazer e estava um pouco com medo. Mas quando percebi que estava sendo abraçado, não queria mais largar. Acabei caindo no choro."
Agora, Paul se prepara para voltar para casa. Ele e Shilpa estão noivos e querem, juntos, ajudar a mudar seu país. Durante o tempo na Inglaterra, Paul viajou para diversos países, conheceu muita gente empenhada em transformar os absurdos que ainda existem no mundo e se capacitou para levar um pouco desse conhecimento de volta à Índia. Mas, mesmo assim, ele tem medo de não conseguir mudar uma realidade que dura há tanto tempo."Tenho medo de fracassar, de não conseguir fazer com que meu povo entenda que precisa lutar por seus direitos. Se eles são desprezíveis demais até mesmo para serem tocados, como vão brigar para serem ouvidos?"
* O autor João Scarpelini já foi integrante da Galera e colunista da CAPRICHO. Há nove meses, vive em Londres e trabalha para a mesma organização que ofereceu o estágio a Paul. Os dois se tornaram grandes amigos. Num país diferente, o indiano Paul Raj aprendeu que podia ser igual a todo mundo