Com as mudanças na sociedade, o mercado passa a exigir
novas funções e ocupações. Você pode se aproveitar dessa brecha para fazer o
trabalho que sempre quis. (Quadrinhos: João Montanaro)
Giorgio
Servius acaba de matar mais um zumbi, a pauladas. O sangue respinga em seu
rosto, enquanto ele sinaliza para um colega. A perseguição aumenta, ele mata
mais alguns. De repente, ele para. Hora da pausa para o café. Parece coisa de
filme, mas é apenas uma terça-feira comum na vida de Giorgio, que é
especialista em tecnologia da informação e tem como uma de suas funções testar
games em 3D. O sangue, o zumbi, as armas são de mentira, mas parecem reais,
projetadas em três dimensões em uma sala com telão de 3 x 4 metros.
Assim
como Giorgio, muitas pessoas hoje têm profissões novas, diferentes, que não
existiam anos atrás. Isso, em si, não é novidade: sempre que as sociedades
mudam, o mundo do trabalho se reinventa, e surgem novas funções. Foi assim
quando se criaram novas tecnologias, como a locomotiva a vapor, a prensa móvel
e o telefone, por exemplo. A diferença, agora, é que isso acontece numa
velocidade muito maior. "As novas profissões surgem para atender a
demandas do mundo de hoje", diz a psicóloga Sandra Felicidade, de Campinas
(SP). "Há uma série de mudanças de paradigma e as profissões mais
tradicionais não dão mais conta, sozinhas, das necessidades deste novo
mundo", diz. Algumas pessoas aproveitam essas brechas de mercado para
fazer aquilo de que mais gostam.
Esse
foi o caso de Carollina Lauriano, que trabalha com inteligência de moda.
"Sou jornalista, mas sempre gostei muito de moda e sempre trabalhei com
publicidade. Entrei na agência onde trabalho como redatora, como uma forma de
estar dentro para poder mostrar meu potencial como analista de mercado",
conta. Hoje ela faz análise de mercado e estratégia para empresas no ramo da
moda e sua função foi batizada de "inteligência de moda".
Já
Julia Janczur, que por sua vez cursou moda, encontrou um caminho profissional
que a agradava na consultoria de imagem. "As pessoas confundem o que faço
com personal stylist, que era um trabalho que não me agradava tanto. Trata-se
de ensinar as pessoas a usar as tendências da moda. Na consultoria de imagem eu
não tenho regras totalitárias sobre o que usar ou como usar, nem tenho que
seguir as últimas tendências se não for o perfil do cliente. É mais
personalizado", diz. Ou seja: os trabalhos de personal stylist e de
produção de moda, que também são recentes, já ganharam um novo nicho, mais
específico e adequado para o perfil de Julia.
Algumas
pessoas não chegam a inventar uma profissão nova, mas descobrem que
algo que elas já fazem se encaixa perfeitamente em uma função recém-criada. É o
caso de Julia e também de Vitor Massao, que sempre alternou seu tempo entre o
trabalho com ONGs e movimentos sociais de juventude com serviços de design
prestados muitas vezes a esses grupos. Foi então que conheceu a facilitação
gráfica e descobriu uma nova possibilidade profissional. "Vi que aquilo
que eu já fazia em minhas próprias anotações, em meus cadernos, durante
debates, discussões e processos participativos de movimentos sociais, poderia
ajudar os demais a visualizar o andamento da discussão e organizar suas
ideias", diz. "Fiz um curso e passei a oferecer também esse tipo de
serviço."
A
criação de novos nichos é uma estratégia cada vez mais reconhecida no mundo
corporativo, como conta a psicóloga Sandra Felicidade. "Existe hoje uma
mudança na mentalidade, que questiona a antiga lógica da concorrência. Grandes
empresas como o Google conseguiram se firmar, por exemplo, sem disputar mercado
com concorrentes, criando um novo nicho. Esta é uma estratégia muito usada:
inovar, fazer o novo - e dominar aquele nicho que se criou", diz.
Nesse
mundo das novas profissões, porém, nem tudo são flores. Uma das partes mais
difíceis é justamente o reconhecimento da sociedade em relação à
nova profissão. Em outras palavras: como convencer o mundo de que seu
trabalho é específico e só pode ser executado por você ou pessoas como você?
"A
criação de uma nova profissão está ligada à ideia de monopólio de uma
certa atividade ou técnica", diz a socióloga Maria Ligia de Oliveira
Barbosa, da UFRJ. "Nem toda ocupação é uma profissão; o conceito
de profissão sugere algo mais especializado, que justamente não pode
ser feito por qualquer pessoa sem uma formação prévia, ainda que essa formação
nem sempre seja escolar", diz ela. Segundo a socióloga, o reconhecimento
dos colegas e o senso de "classe profissional" também têm um papel
fundamental nesse processo.
No
caso de Vitor, a batalha do reconhecimento tem sido travada coletivamente, o
que facilita um pouco o processo. "Estamos começando a organizar fóruns e
eventos onde nós, facilitadores gráficos, podemos trocar informações e
experiências e discutir nosso trabalho. Isso dá um senso de coletividade maior
e ajuda a sermos reconhecidos também", diz. O contato com outros
profissionais da área é uma boa solução para o impasse de encontrar clientela,
com troca de experiências, de redes de contato e estratégias de trabalho.
Além
disso, é claro, uma boa divulgação do seu trabalho também não faz mal. Para
profissionais em atividades "novas", vale mais do que a pena investir
num bom website que, além do portfólio, pode conter textos informativos sobre o
tipo de trabalho desenvolvido, seus princípios profissionais e as vantagens dos
clientes em investir naquele tipo de serviço ou produto.
Mesmo
com todas estratégias, porém, nem sempre o dinheiro entra como esperado. A
instabilidade financeira é outro desafio que os profissionais de funções
recém-criadas enfrentam. Julia conta com a ajuda de seus pais quando precisa e
Vitor, que já tinha bastante experiência como freelancer, guardou um dinheiro
para poder se assegurar enquanto o retorno financeiro de sua nova atividade não
era suficientemente estável. Se você planeja mudar de área ou explorar um novo
nicho, o ideal é se planejar para os momentos de vacas magras.
Essa
falta de reconhecimento tem seu lado cômico: tentar explicar, para os outros, o
que você faz. Se você tem uma profissão conhecida, como médico,
advogado, jornalista, é fácil. Mas, quando saímos do esquema tradicional, a
coisa fica mais complicada. Como explicar para a avó que mal usa e-mails o que
faz um analista de redes sociais? A sensação é de que, para as outras pessoas,
você não trabalha de verdade. Quem está acostumado a ver "rotina de
trabalho" como ficar das 9h às 18h num escritório muitas vezes não é capaz
de ver que o "passeio no shopping" que Julia faz com uma cliente, na
verdade, não tem nada de "passeio" ; ou que ficar testando videogames
e explorando ambientes em 3D a tarde toda, de óculos e luvas, é parte essencial
do trabalho de Giorgio. Quando alguém não levar seu trabalho a sério, não
adianta ficar bravo: é hora de ter paciência e, principalmente, bom humor.
Encare a situação com leveza.
"É
um passo ousado, mas muito recompensador", diz Vitor. A maior satisfação -
que, segundo ele, compensa as dificuldades enfrentadas - é ganhar a vida
fazendo algo de que se gosta, em vez de se forçar a entrar num esquema
profissional e num mercado de trabalho que nem sempre combinam conosco.
João
Montanaro é ilustrador e quadrinhista. Aos 17 anos, ainda está decidindo para
qual profissão vai prestar vestibular.
Por Marília Moschkovich é socióloga e professora. Decidiu se aventurar no
jornalismo como forma de testar outras possibilidades profissionais.